quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

E Aí, Qual o Seu Limite?

 Em meio a corrida para o Oscar que venho fazendo nos últimos dias, assistindos alguns dos indicados e trabalhando num texto com meus palpites para postar antes da cerimônia, assisti o indicado a melhor atriz Os Homens Que Não Amavam as Mulheres (2011), estrelado por Daniel Craig e Rooney Mara e dirigido por David Fincher. Devo mencionar que havia lido alguns dias antes o livro homônimo que deu origem a série e que tinha tanto a história como as potenciais cenas bem claras na minha cabeça.










Lisbeth e Mikael em Os Homens Que Nâo Amavam as Mulheres

 Por estar assistindo com minha esposa (que não havia lido o livro), sabia que em determinadas cenas ela reclamaria do desconforto que sentiria com o que passava na tela - afinal, a protagonista Lisbeth Salander é estuprada violentamente em determinado momento - e preparei-me para atenuar o momento explicando a intenção do autor do livro, Stieg Larsson. A cena, já terrível na descrição do livro, ganha contornos mais enojantes quando vista in loco. Disse a minha esposa a importância que aquela cena tinha para o desenvolver a personagem, tanto no filme quanto no livro. Afinal, seu centro é a violência para com as mulheres (o nome original do livro, em sueco, é Os Homens Odeiam as Mulheres).
 Qual não foi minha surpresa ao notar que eu mesmo, passada a referida cena, também comecei a me sentir desconfortável com as excessivas cenas de sexo que Fincher havia transposto do livro para a tela (inclusive em momentos onde elas não haviam). Gostaria de aproveitar esse momento e ressaltar que não sou moralista, não tenho problemas com o sexo nos filmes, nem quanto a discussão de assuntos mais pesados a partir de uma fonte de entretenimento. O que realmente me incomoda é: quando o sexo deixa de fazer parte do enredo e passam a servir como simples catalisador de marketing e polêmica?
 Na minha opinião, podemos estabelecer três categorias distintas para que possamos responder essa pergunta: há filmes nos quais a cena de sexo - indiferente a quantidade e a duração delas - fazem sentido no enredo do filme ou na construção dos personagens; há outros que as cenas apesar de se justificarem, dão a sensação que poderiam ser menos explícitas; e por último, filmes onde as cenas de sexo, se não são apenas desconexa, são gratuitas, não acrescentando nada ao plot. É apenas sexo pelo sexo. Para melhor exemplificar essas categorias, vamos aos exemplos.
 Na primeira vou citar não um, mas dois filmes do mesmo diretor e com o mesmo protagonista: Marcas da Violência (2005) e Os Senhores do Crime (2007), ambos do canadense David Cronenberg e estrelado por Viggo Mortensen. O primeiro, baseado numa graphic novel, conta a história de um pacato dono de bar de uma cidadezinha de interior que após matar dois assaltantes que ameaçavam sua família e alguns de seus clientes, torna-se celebridade instantânea para os jornais locais. Mas esses 15 minutos de fama trazem más consequências quando alguns mafiosos afirmam que o dono do bar é um matador de aluguel desaparecido. Em momentos diferentes do filme, vemos o protagonista e sua esposa (Maria Bello) em cenas de sexo bem distintas. Não havia gratuidade nessas cenas: mostravam como os personagens estavam se desenvolvendo durante o filme, como a tensão entre eles estava se formando. Cenas esclarecedoras para entender os personagens. Já em Senhores do Crime não há nenhuma cena de sexo, mas sim uma longa cena de briga entre o protagonistas e alguns matadores dentro de uma sauna. Nada de anormal se não fosse pelo fato de que todos eles estarem literalmente como vieram ao mundo. Muitos que conheço se incomodariam ao ver os apêndices balançantes que aparecem em cena, mas eu achei ela extremamente bem feita, me impressionando com a crueza e com a virulência da briga. E não pude deixar de refletir que brigar nesse tipo de situação não seria das mais simples.








          
                                                                        




Senhores do Crime




 Na segunda categoria, vou citar um dos filmes mais polêmicos e cultuados que conheço: Irreversível, do francês Gaspar Noé. Nunca antes vi um filme levantar tantas opiniões contraditórias em tantos diferentes críticos e nem ter reações tão diversas do público: enquanto alguns saiam horrorizados no meio das sessões, outros vêem no filme uma nova direção para o cinema. Quem já o assistiu, sabe o motivo de tal polêmica: a longa cena de estupro e espancamento protagonizada pela bela Monica Bellucci e o violento fim do estuprador nas mãos do namorado e de um amigo da moça. Sem seguir uma ordem cronológica dos eventos, preferindo iniciar o filme pelo seu final, Noé não poupou o espectador, mostrando ambas as cenas com a câmera estática, do principio ao fim. Se a primeira, a do assassinato, é para estômagos fortes (o estuprador tem seu crânio afundado após ser atingidos repetidas vezes por um extintor de incêndio), a do estupro, serei sincero, não consegui assistir na sua totalidade. Não poderia haver uma alternativa menos desagradável? Nunca consegui uma resposta satisfatória para mim ... As grandes inovações técnicas obtidas pelo filme acabaram por serem nubladas em meio a polêmica, mas pode-se chegar a uma ideia mais específica lendo o texto de Joanna Berry, editora da revista Empire (uma das mais importantes sobre cinema) no livro 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer, de Steven Jay Schneider.
                       Irreversível


 O filme que entra na última categoria pertence a um diretor que tenho minhas ressalvas, acreditando que a fama que o cerca seja desmerecida e se deve muito mais as polêmicas do que a talento propriamente dito. Falo de Lars Von Trier e de seu filme do movimento Dogma 95, Os Idiotas (1998). O movimento Dogma,  criado por cineastas dinamarqueses, e que a partir de uma série de mandamentos (filmar sem atores profissionais, sem efeitos visuais ou sonoros, sem que o filme pertença a um gênero específico etc), propunha uma nova visão sobre cinema, fazendo imenso barulho quando da sua origem, inclusive tendo um dos seus filmes (Festa de Família, de Thomas Vinterberg) ganhando o prêmio do grande júri no Festival de Cannes de 1998. Os Idiotas, segundo filme criado aos moldes do Dogma, mostra um grupo de pessoas que se juntam para libertar seu "idiota interior", livrando-se assim das amarras de uma liberdade burguesa que eles criticam. O filme em si tem muitas qualidades e alguma reflexão, mas uma cena em particular me incomodou particularmente: a orgia explícita (que não seria capaz de ser diferenciada ao lado de um pornô hardcore) entre os idiotas decorrente ao pedido de aniversário de um deles. Nessa cena Lars Von Trier perde completamente a mão, pelo menos na minha opinião. Ouvi alguns dizerem que a cena é feita para chocar exatamente a sociedade burguesa criticada no filme, mas para mim, mostra apenas um cineasta disposto a chocar a qualquer custo. Não há mais discussões, nem reflexões extras causadas por essa cena em particular. Nada se adiciona. O filme teria seu mesmo peso sem ela. É apenas o sexo pelo sexo.









                                                                                        Os Idiotas


Acredito ser impossível, entrar num acordo total de qual o verdadeiro limite que podemos aceitar. Apesar de discordar do excesso em alguns filmes, não posso deixar de concordar que o diretor do filme deve fazer de sua obra aquilo que sua visão entende o que é certo. Cabe ao espectador abraçar ou não a causa. Não vale aqui a máxima que "só assistindo que posso discordar". Se não gosto de algo, não vou reincidir. É como na TV: não gosto de BBB, não vou ver só para reclamar depois.

2 comentários:

  1. Julio, concordo plenamente, principalmete com a parte: "não gosto do BBB"

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  2. A famosa cena da orgia d'Os Idiotas na minha opinião teve um significado importante para o roteiro. Principalmente porque ela acontece num momento quase de fechamento da história, onde eles se reunem numa festa onde se reconhecia o desmembramento do grupo e se permitia o comportamento "idiota" da maneira mais culminante possível. Pelo que lembro de memória, acho que esse chega a ser verdadeiramente o apse do filme. Além do mais a cena da devassidão contrasta com a cena do casal à parte, que desenrolam uma situação relativamente romântica simultânea ao restante do grupo.

    Não sei se o Lars Von Trier quis dizer tudo isso, mas gostei do filme nessa perspectiva.

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