sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

A Magia do Cinema

 Eu estava decidido a não falar dos filmes do Oscar antes de amanhã à noite, onde pretendo fazer um post específico para isso. Até já tinha um para hoje, com tema definido e, na verdade, bastante adiantado. Mas não poderia permanecer em silêncio depois da felicidade que tive de poder assistir hoje à tarde A Invenção de Hugo Cabret (2011), novo filme de Martin Scorsese.
 Sou apaixonado por cinema. Apaixonado metódico, do tipo que anota cada filme que assiste com seus dados e com as impressões que tive sobre ele. E não sou daqueles que faz cerimônia, que só assiste filme que ninguém conhece ou que acha que determinado gênero é bobagem (Comédia romântica? Putz). Se é filme, eu tô dentro. Única ressalva que faço é que se não tiver o áudio original, não vai me satisfazer inteiramente. Mas vou assistir mesmo assim (mesmo que seja só para depois rever com áudio original). Coisa de apaixonado. Quem é sabe exatamente do que estou falando.
 Posto isso, é como admirador apaixonado que venho falar de A Invenção Hugo Cabret. Esperava um grande filme, afinal Scorsese não é do tipo que decepciona. Pelo contrário, muitos de seus filmes são daqueles que se o sujeito que leva a sério cinema, tem que assistir. Táxi Driver (1976), Touro Indomável (1980), Os Bons Companheiros (1990), Os Infiltrados (2006) e por aí vai. Todos esses são filmes sensacionais. Eu também já sabia que esse novo filme era baseado em um livro de Brian Selznick, que era uma homenagem ao cinema, mais especificamente ao diretor francês Georges Méliès, um dos primeiros cineastas da história, um gênio que dirigiu mais de 500 filmes e que foi o primeiro a perceber que o cinema podia, através de simples experiências com a câmera e a edição, tornar sonhos em realidades. Não foi por menos que Chaplin apelidou-o de "alquimista da luz".

Georges Méliès
  Mas nenhuma dessa informações podiam antecipar o espetáculo de pouco mais de duas horas que me esperava. A história, simples e profunda, mostra o órfão Hugo Cabret (Asa Butterfield) buscando reconstruir um autômato (uma espécie de robô movido a corda) encontrado por seu pai no lixo de um museu. Não quero me aprofundar demais numa sinopse e correr o risco de antecipar algo, mas algumas cenas tem de ser destacadas. O momento em que Hugo e sua amiga Isabelle derrubam acidentalmente uma caixa escondida em um armário e que contém papéis de Papa Georges é extremamente bela, assim como aquela em que eles folheiam um livro que conta o princípio do cinema. Somente um diretor no total domínio da sua arte poderia fazer desses momentos aparentemente tão simples a experiência grandiosa em que elas se transformam.
 Mas não é só pelo seu visual fantástico que esse filme tornou-se para mim o que é. Esse não é mais um Avatar (2009). Se para os olhos o filme é um verdadeiro deleite, é na história que está seu coração e é nela que a mágica se realiza. Nela não há espaços para nenhum tipo de pieguismo ou tristeza exagerada, que poderiam fazer do filme uma obra menor. Nem mesmo as cenas de suspense que ela contém (como a que ilustra o pôster do filme) foi necessário exagerar para que sentíssemos um excessivo temor. E isso aconteceu porque as verdadeiras emoções que o filme têm para despertar no espectador não precisam de truques para isso.

  Lógico que entenderei aqueles que, ao assistir o filme, não vão interpretar ele como eu. Acho mesmo que aquele profundo fascínio que me perturbou a tal ponto de não poder escrever sobre outra coisa somente alguns terão. Afinal, os filmes que homenageiam o cinema - como o também brilhante Cinema Paradiso (1988) - tendem a tocar mais aqueles a quem o cinema será uma eterna amante. Aqueles, que como eu, nunca se esqueceram do que sentiram ao se ver pela primeira vez sentado diante da grande tela. Esses se encantarão com o mundo fantástico em que Hugo vive, vai se deliciar com as pequenas referências que pululam na tela. Isso não quer dizer que o filme só é bom para os cinéfilos. Porque quem não é também vai sorrir ao ver o cachorro nervosinho que tenta separar o casal ou vão se pegar pensando qual é função que ele próprio tem no mundo. Ou ainda, quando começar a entender como tudo começou, como o cinema foi criado, vai descobrir a paixão antes inexistente pela sétima arte. Será como Méliès e eu, que sabemos que é para os filmes que os sonhos vão depois que acordamos.
 Eu poderia continuar ainda por parágrafos e parágrafos descrevendo tudo o que pensei e senti ao ver o filme. Poderia explanar todas suas qualidades e mesmo apontar seus mínimos defeitos. Mas tudo isso seria em vão. Afinal, os filmes são como a vida: ter todas as respostas de como é não é tão legal quanto descobrir sozinho. Se quer saber como é a experiência, você precisa vivencia-las. Mas digo uma coisa: existem filmes a que volto sempre quando quero refletir, como  Viver (1952); a outros volto todas as vezes que quero sorrir (Os Reis do Iê-Iê-Iê - 1964); outros ainda revejo quando quero chorar (O Túmulo dos Vagalumes - 1988). Pois, a partir de hoje, sempre que quiser sonhar voltarei a Hugo Cabret.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

E Aí, Qual o Seu Limite?

 Em meio a corrida para o Oscar que venho fazendo nos últimos dias, assistindos alguns dos indicados e trabalhando num texto com meus palpites para postar antes da cerimônia, assisti o indicado a melhor atriz Os Homens Que Não Amavam as Mulheres (2011), estrelado por Daniel Craig e Rooney Mara e dirigido por David Fincher. Devo mencionar que havia lido alguns dias antes o livro homônimo que deu origem a série e que tinha tanto a história como as potenciais cenas bem claras na minha cabeça.










Lisbeth e Mikael em Os Homens Que Nâo Amavam as Mulheres

 Por estar assistindo com minha esposa (que não havia lido o livro), sabia que em determinadas cenas ela reclamaria do desconforto que sentiria com o que passava na tela - afinal, a protagonista Lisbeth Salander é estuprada violentamente em determinado momento - e preparei-me para atenuar o momento explicando a intenção do autor do livro, Stieg Larsson. A cena, já terrível na descrição do livro, ganha contornos mais enojantes quando vista in loco. Disse a minha esposa a importância que aquela cena tinha para o desenvolver a personagem, tanto no filme quanto no livro. Afinal, seu centro é a violência para com as mulheres (o nome original do livro, em sueco, é Os Homens Odeiam as Mulheres).
 Qual não foi minha surpresa ao notar que eu mesmo, passada a referida cena, também comecei a me sentir desconfortável com as excessivas cenas de sexo que Fincher havia transposto do livro para a tela (inclusive em momentos onde elas não haviam). Gostaria de aproveitar esse momento e ressaltar que não sou moralista, não tenho problemas com o sexo nos filmes, nem quanto a discussão de assuntos mais pesados a partir de uma fonte de entretenimento. O que realmente me incomoda é: quando o sexo deixa de fazer parte do enredo e passam a servir como simples catalisador de marketing e polêmica?
 Na minha opinião, podemos estabelecer três categorias distintas para que possamos responder essa pergunta: há filmes nos quais a cena de sexo - indiferente a quantidade e a duração delas - fazem sentido no enredo do filme ou na construção dos personagens; há outros que as cenas apesar de se justificarem, dão a sensação que poderiam ser menos explícitas; e por último, filmes onde as cenas de sexo, se não são apenas desconexa, são gratuitas, não acrescentando nada ao plot. É apenas sexo pelo sexo. Para melhor exemplificar essas categorias, vamos aos exemplos.
 Na primeira vou citar não um, mas dois filmes do mesmo diretor e com o mesmo protagonista: Marcas da Violência (2005) e Os Senhores do Crime (2007), ambos do canadense David Cronenberg e estrelado por Viggo Mortensen. O primeiro, baseado numa graphic novel, conta a história de um pacato dono de bar de uma cidadezinha de interior que após matar dois assaltantes que ameaçavam sua família e alguns de seus clientes, torna-se celebridade instantânea para os jornais locais. Mas esses 15 minutos de fama trazem más consequências quando alguns mafiosos afirmam que o dono do bar é um matador de aluguel desaparecido. Em momentos diferentes do filme, vemos o protagonista e sua esposa (Maria Bello) em cenas de sexo bem distintas. Não havia gratuidade nessas cenas: mostravam como os personagens estavam se desenvolvendo durante o filme, como a tensão entre eles estava se formando. Cenas esclarecedoras para entender os personagens. Já em Senhores do Crime não há nenhuma cena de sexo, mas sim uma longa cena de briga entre o protagonistas e alguns matadores dentro de uma sauna. Nada de anormal se não fosse pelo fato de que todos eles estarem literalmente como vieram ao mundo. Muitos que conheço se incomodariam ao ver os apêndices balançantes que aparecem em cena, mas eu achei ela extremamente bem feita, me impressionando com a crueza e com a virulência da briga. E não pude deixar de refletir que brigar nesse tipo de situação não seria das mais simples.








          
                                                                        




Senhores do Crime




 Na segunda categoria, vou citar um dos filmes mais polêmicos e cultuados que conheço: Irreversível, do francês Gaspar Noé. Nunca antes vi um filme levantar tantas opiniões contraditórias em tantos diferentes críticos e nem ter reações tão diversas do público: enquanto alguns saiam horrorizados no meio das sessões, outros vêem no filme uma nova direção para o cinema. Quem já o assistiu, sabe o motivo de tal polêmica: a longa cena de estupro e espancamento protagonizada pela bela Monica Bellucci e o violento fim do estuprador nas mãos do namorado e de um amigo da moça. Sem seguir uma ordem cronológica dos eventos, preferindo iniciar o filme pelo seu final, Noé não poupou o espectador, mostrando ambas as cenas com a câmera estática, do principio ao fim. Se a primeira, a do assassinato, é para estômagos fortes (o estuprador tem seu crânio afundado após ser atingidos repetidas vezes por um extintor de incêndio), a do estupro, serei sincero, não consegui assistir na sua totalidade. Não poderia haver uma alternativa menos desagradável? Nunca consegui uma resposta satisfatória para mim ... As grandes inovações técnicas obtidas pelo filme acabaram por serem nubladas em meio a polêmica, mas pode-se chegar a uma ideia mais específica lendo o texto de Joanna Berry, editora da revista Empire (uma das mais importantes sobre cinema) no livro 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer, de Steven Jay Schneider.
                       Irreversível


 O filme que entra na última categoria pertence a um diretor que tenho minhas ressalvas, acreditando que a fama que o cerca seja desmerecida e se deve muito mais as polêmicas do que a talento propriamente dito. Falo de Lars Von Trier e de seu filme do movimento Dogma 95, Os Idiotas (1998). O movimento Dogma,  criado por cineastas dinamarqueses, e que a partir de uma série de mandamentos (filmar sem atores profissionais, sem efeitos visuais ou sonoros, sem que o filme pertença a um gênero específico etc), propunha uma nova visão sobre cinema, fazendo imenso barulho quando da sua origem, inclusive tendo um dos seus filmes (Festa de Família, de Thomas Vinterberg) ganhando o prêmio do grande júri no Festival de Cannes de 1998. Os Idiotas, segundo filme criado aos moldes do Dogma, mostra um grupo de pessoas que se juntam para libertar seu "idiota interior", livrando-se assim das amarras de uma liberdade burguesa que eles criticam. O filme em si tem muitas qualidades e alguma reflexão, mas uma cena em particular me incomodou particularmente: a orgia explícita (que não seria capaz de ser diferenciada ao lado de um pornô hardcore) entre os idiotas decorrente ao pedido de aniversário de um deles. Nessa cena Lars Von Trier perde completamente a mão, pelo menos na minha opinião. Ouvi alguns dizerem que a cena é feita para chocar exatamente a sociedade burguesa criticada no filme, mas para mim, mostra apenas um cineasta disposto a chocar a qualquer custo. Não há mais discussões, nem reflexões extras causadas por essa cena em particular. Nada se adiciona. O filme teria seu mesmo peso sem ela. É apenas o sexo pelo sexo.









                                                                                        Os Idiotas


Acredito ser impossível, entrar num acordo total de qual o verdadeiro limite que podemos aceitar. Apesar de discordar do excesso em alguns filmes, não posso deixar de concordar que o diretor do filme deve fazer de sua obra aquilo que sua visão entende o que é certo. Cabe ao espectador abraçar ou não a causa. Não vale aqui a máxima que "só assistindo que posso discordar". Se não gosto de algo, não vou reincidir. É como na TV: não gosto de BBB, não vou ver só para reclamar depois.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O Melhor Amigo dos Personagens


Após ler em alguns jornais a "polêmica" criada pelo não convite do cachorro Uggie, do filme O Artista, para a entrega do Oscar que acontece nesse próximo domingo e que esse mesmo Uggie foi o grande ganhador do premio "Golden Collar" (Coleira de Ouro), que premia os melhores animais do cinema, além da Palma Canina em Cannes, numa brincadeira da organização do festival com seu principal prêmio, a Palma de Ouro, decidi escrever como primeiro post nesse recém-criado blog sobre cinema uma pequena recordação sobre alguns dos famosos personagens animais da história da sétima arte.
Enquanto alguns animais fazem parte do imaginário popular cinematográfico (como a collie Lassie ou o golfinho Flipper), outros são conhecidos pelos cinéfilos mais fanáticos. Um dos mais antigos astros caninos que me lembro foi Asta, o inesquecível parceiro da dupla de detetives Nick Charles (William Powell) e Nora Charles (Mirna Loy) em A Ceia dos Acusados, de 1934. Lançado em DVD no Brasil, esse clássico filme dirigido por W. S. Van Dyke e baseado em um livro do escritor Dashiell Hammett, deveria mostrar a caçada a um cientista desaparecido. Digo deveria porque a investigação é apenas uma desculpa para uma série de tiradas fantásticas ditas pelos protagonistas, em diálogos que misturam nonsense e perspicácia. Asta se destacava ao tampar os olhos com as patas em qualquer situação de perigo. O filme fez tamanho sucesso que deu origem a cinco sequências estreladas por Powell, Loy e Asta. Hoje Asta tem um Fã-Site oficial chamado I Love Asta (http://www.iloveasta.com/ThinMan.htm), que contém informações e fotos sobre o pequeno astro.


Outro cachorro a ganhar grande destaque dentro do cinema clássico foi Flicke, mascote do protagonista do clássico italiano Umberto D (1952). Um dos principais expoentes do neorrealismo, Umberto D conta a história de um aposentado funcionário público que, em meio a crise do pós-guerra na Itália, se vê despejado  e falido, apesar dos longos anos a serviço da nação. Será a luta de um velho para não decair da miséria para a total vergonha. Apesar do tema sofrido e pujante, o diretor Vittorio de Sica preferiu não enveredar pelo caminho das lágrimas fáceis e do pieguismo, tratando a difícil situação do protagonista com a dignidade que o personagem merecia. Flicke se destaca pois é, durante boa parte da narrativa, aquele que permanece fiel a Umberto. A estima do velho por ele aparece em uma notável cena na qual Umberto cogita tornar-se um pedinte: ao perceber que ele não poderia dignar-se a tal humilhação, tenta colocar Flicke para mendigar em seu lugar mas  acaba por logo desistir, afinal seu cachorro tampouco merecia esse tratamento. As cenas finais do filme, de uma tristeza singular (e que não vou entregar aqui), também ressaltam a importância de Flicke no filme.



Bem mais recentemente, em 1997, um cãozinho da raça Brussels Griffon chamado Verdell foi fundamental para ajudar o misantropo Melvin Udall (Jack Nicholson) a sair de sua rotina pré-estabelecida pelo TOC e pelo mau-humor e tentar iniciar um relacionamento com as pessoas ao seu redor, como o vizinho gay Simon (Greg Kinnear) e a garçonete Carol (Helen Hunt). Um dos grandes ganhadores do Oscar daquele ano (melhor ator para Nicholson e melhor atriz para Hunt), Melhor é Impossível destacou-se por ser uma comédia romântica pouco convencional, na qual o "mocinho" é um insuportável e maníaco escritor e a mocinha é uma mãe solteira e madura, que está cansada de relacionamentos infrutíferos. E tem Verdell, um simpático cão que gosta de ouvir Melvin tocar piano e de comer longas fatias de bacon fritas, o principio de uma vida com a qual Melvin não está acostumado. O destaque de Verdell foi tamanho que iniciou-se uma verdadeira febre por espécimes dessa raça pelo mundo, inclusive no Brasil, onde é difícil de se encontrar e tem problemas para se adaptar ao clima.


Mas um animal não precisa aparecer constantemente para destacar-se em um filme. Na verdade, a sua ausência pode tornar-se de grande importância. O filme que melhor destaca isso é o fantástico filme japonês Madadayo (1993), do mestre Akira Kurosawa. Madadayo (que significa em português "ainda não") conta a história de um  simpático professor aposentado chamado Hyakken Uchida (Tatsuo Matsumura). Seu alunos, com o passar dos anos, realizam jantares para celebrar seu antigo mestre, ondem brindam a ele aos gritos de madadayo, querendo dizer que a morte ainda não havia chegado para ele. Mostrando os anos da Segunda Guerra e o período imediatamente posterior, retrata as dificuldades pelos quais passaram os japoneses num momento de grande escassez, ao mesmo tempo em que tentam manter suas tradições num país no qual já não tem toda a autonomia. Uchida e sua esposa (Kyoko Kagawa), por exemplo, tem sua casa destruída durante um bombardeio e são obrigados a mudar algumas vezes de casa. É numa dessas casas que um gato de rua começa a ser criado pelo professor, que vive uma viva tediosa após a aposentadoria. Mas, pouco tempo depois, o gato desaparece e o velho adoece devido a saudade do gato. Buscas são realizadas e fotos do gato distribuídas pelo bairro. É importante mencionar nesse ponto que o assunto "gato desaparecido" percorre mais de meia-hora do filme, que tem pouco mais de duas horas. Somente aqueles que realmente amaram um bichinho de estimação entende os sentimentos que Kurosawa tão habilmente retrata nessas cenas, entendem o vazio que se forma no protagonista, e que algumas poucas cenas não seriam capazes de demonstrar. Um filme que merece ser visto e revisto.


Todos temos um filme, com um determinado animal, que nos marca mais profundamente. Deixe um comentário e diga qual é o seu.